Lista das possíveis dúvidas e contradições no livro de Juízes

terça-feira, 29 de julho de 2008

Dúvidas e “contradições” de Juízes.

Segue-se abaixo uma lista das possíveis duvidas e supostas contradições ocorrentes no livro de Juízes. A lista esta organizada em ordem de versículos.

Juízes 3:20-21 – A Bíblia aprova homicídios?

Este incidente, e outros semelhantes (cf. Jz 4:21), são todos um bom exemplo do princípio que diz “que nem tudo que a Bíblia relata é aprovado por ela”. Em primeiro lugar o texto não diz que Deus aprovou esse ato tão vil. Ele simplesmente conta o que aconteceu.

Segundo, o fato de que Deus “suscitou” Eúde não justifica tudo o que ele fez. Deus levantou também Faraó (cf. Rm 9:17), mas o Senhor assim mesmo o julgou por seus pecados (cf. Êx 12).

Terceiro, há muitos pecados contidos na Bíblia que não são aprovados por ela. Entre esses citam-se a mentira de Abraão (Gn 20), o pecado de Davi com Bate-Seba (2 Sm 11) e a poligamia de Salomão (1 Rs 11).

Quarto, conquanto os homicídios propriamente dito sejam pecados, Deus reserva a si o direito à vida (Dt 32:39; Jó 1:21). Ele toma a vida de quem quer, porque foi Ele quem a deu, e o faz por meio de qualquer instrumento a sua escolha, seja natural ou não (veja os comentários de Josué 6:21).

Juízes 4:21 – Sísera estava deitado quando Joel o matou, ou estava em pé, como Juízes 5:27 parece indicar?

A descrição poética de Juízes 5:27 pode ser entendida como descrevendo possíveis convulsões que ocorreram no corpo de Sísera, depois que ele recebeu o golpe na cabeça. Também, o termo “caiu” com freqüência é usado com um sentido figurado, para indicar a morte de alguém. Isto seria bem provável, considerando-se a estrutura poética do capítulo 5. O poema não está descrevendo literalmente uma queda ao solo, como se Sísera estivesse em pé. Antes, é a forma de descrever com certa poesia a morte de Sísera. Pela mão dessa mulher inexperiente, o capitão do exército cananita, Sísera, caiu. Não há contradição, mas apenas diferença entre uma narrativa histórica acurada, que descreve os fatos de maneira literal, e uma forma poética acurada, que descreve os eventos de um modo poético.

Juízes 5:6ss – Como Jael pode ser louvada por um homicídio tão cruel?

Primeiro, convém lembrar que Sísera era um poderoso guerreiro. Quando ele foi até a tenda de Jael, ela não teve como recusar-lhe a entrada. Embora tenha sido Jael que saiu ao encontro de Sísera para encorajá-lo a refugiar-se em sua tenda, Juízes 4:17 deixa claro que ele já planejara ir à tenda de Jael.

Segundo, Sísera era um guerreiro cruel, que vinha oprimindo severamente o povo de Deus. Se ele tivesse escapado da batalha, com certeza voltaria a fazer crueldades com o povo de Deus. Se Jael não tivesse agido como agiu, ela estaria sendo conivente com todos os futuros atos de matança e de opressão desse homem impiedoso para com o povo de Deus.

Terceiro, o compromisso que Jael tinha com o Senhor Deus de Israel determinou a única coisa que ela poderia fazer naquelas circunstâncias. Os inimigos do Senhor e do seu povo eram inimigos de Jael. Ela precisava matar Sísera. Ela não conseguiria defrontar-se em combate com tal guerreiro. Sua ação teria que ser rápida e certeira. Ela não poderia arriscar-se a falhar no intento de matá-lo, ferindo-o apenas. Precisava agir, de forma a matá-lo certa e instantaneamente. Diante das alternativas, Jael optou pelo bem maior. Para prevenir a matança e a opressão do povo de Deus, ela matou Sísera.

Quarto, embora não haja na Bíblia nenhuma menção de que Deus honra ou louva Jael pela maneira como ela matou Sísera, o cântico de Débora certamente a louva por sua ação decidida. Jael foi um instrumento nas mãos de Deus para trazer juízo sobre esse terrível inimigo de Israel.

Juízes 11:29-40 – Como é que Deus poderia permitir que Jefté oferecesse sua filha em holocausto?

Muitos têm entendido que Jefté ofereceu a vida de sua filha ao Senhor, dada a natureza inviolável de um voto feito a Deus (cf. Ec 5:2-6). E mais, observam que um holocausto envolve o sacrifício de uma vida, e justificam esse procedimento tendo por base que um voto a Deus tem precedência sobre tudo mais, até mesmo sobre a vida humana (cf. Gn 22). Deus é soberano sobre a vida e a toma quando quer (Dt 32:39), como finalmente o faz (Hb 9:27).

Entretanto, por diversas razões, não é necessário admitir que Jefté tenha oferecido um sacrifício de morte. Primeiro, ele tinha consciência da lei contra o sacrifício humano, e se essa fosse sua intenção quando fez o voto, ele saberia que isso teria sido uma clamorosa rejeição da lei de Deus.

Em segundo lugar, o texto não diz ter ele realmente matado sua filha como holocausto. Isto é apenas inferido por alguns porque ele tinha prometido que quem quer que primeiro saísse de sua casa seria oferecido ao Senhor “em holocausto” (11:31). Como Paulo mostrou, os seres humanos devem ser oferecidos a Deus como um “sacrifício vivo” (Rm 12:1), e não como sacrifício de mortos. É possível que Jefté tenha oferecido sua filha ao Senhor como um sacrifício vivo. Por todo o resto de sua vida ela serviria ao Senhor na casa do Senhor e permaneceria virgem.

Terceiro, um sacrifício vivo de perpétua virgindade era um sacrifício tremendo no contexto judaico daqueles dias. Fazendo alguém voto de perpétua castidade, e sendo dedicada ao serviço do Senhor, ela não poderia jamais ter filhos e assim dar continuidade à linhagem familiar de seu pai. Jefté agiu com muita honra e grande fé no Senhor, não voltando atrás em relação ao voto que ele havia feito ao Senhor seu Deus.

Quarto, este modo de ver a questão apóia-se no fato de que quando a filha de Jefté saiu para chorar por dois meses, ela não saiu para lastimar a sua morte iminente. Não, ela saiu e “chorou a sua virgindade” (v. 38).

Finalmente, se ela tivesse de enfrentar a morte ao fim dos dois meses, teria sido muito simples para ela casar-se com alguém e viver com essa pessoa durante os dois messes que antecederiam sua morte. Não havia razão para a filha de Jefté lastimar pela sua virgindade, a menos que estivesse com a perspectiva de viver toda uma vida nessa condição. Como Jefté não tinha filhos, sua filha não se lamentou acerca de sua virgindade por causa de nenhum desejo sexual ilícito.

Juízes 14:4 – Como Deus pôde usar a lascívia de Sansão por uma filha dos filisteus a fim de libertar Israel da opressão?

Temos de entender que, embora Sansão tivesse sido dedicado por seus pais desde o nascimento para servir ao Senhor como nazireu, ele não tinha um compromisso integral com o Senhor. Sansão tornou-se uma pessoa obstinada e egoísta. Ele não era do tipo que se disporia a ir numa batalha contra os filisteus por razões de ordem espiritual. Conseqüentemente, para fazer com que ele se dispusesse a enfrentar os filisteus e propiciar assim a libertação de Israel, Deus fez uso dos interesses pessoais de Sansão para despertar a sua ira contra os filisteus. Às vezes, Deus usa homens ímpios para realizar seus bons propósitos.

Juízes 16:26-27 – Se o suicídio é um pecado, por que Deus abençoou Sansão por tê-lo cometido?

Sansão não tirou a sua vida; ele sacrificou-se por seu povo. Há uma grande diferença. Jonas orou: “Peço-te, pois, ó Senhor, tira-me a vida, porque melhor me é morrer do que viver” (Jn 4:3). Mas Jonas nunca tirou sua vida. O suicídio é um ato “para si mesmo”. O que Sanção fez foi entregar a sua vida pelos outros – pelo seu povo. O ato de Sansão foi um ato de suicídio tanto quanto foi o ato de Cristo, quando este disse: “dou a minha vida” (Jo 10:15), porque “o bom pastor dá a vida pelas ovelhas” (Jo 10:11). Com efeito, “ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos” (Jo 15:13).

É claro que nem toda aparente morte “pelos outros” é realmente um ato de amor. Paulo deixou isso evidente no seu grande capítulo acerca do amor: “e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará” (1 Co 13:3). Até mesmo um mártir pode morrer sem que haja amor, mas numa obstinada entrega a uma causa centralizada na sua própria pessoa. Saul optou pela morte, dizendo: “para que porventura não venham estes incircuncisos, e me traspassem e escarneçam de mim” (1 Sm 31:4). Abimeleque procurou a morte, disse a seu escudeiro: “mata-me, para que não se diga de mim: Mulher o matou” (Jz 9:54).

EM contraste, Sansão pediu permissão a Deus para morrer, e orou: “Morra eu com os filisteus” (Jz 16:30). Deus acedeu ao seu pedido, “e foram mais os que matou na sua morte do que os que matara na sua vida” (v. 30). Paulo também desejou “ser anátema, separado de Cristo, por amor de” seus irmãos (Rm 9:3). O soldado que se atira sobre uma granada para salvar a vida de seus companheiros não está tirando a sua vida, não está se suicidando; ele está dando a sua vida pelos outros. De igual modo, Cristo não cometeu suicídio, tendo ele vindo para “dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10:45).

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